segunda-feira, 2 de maio de 2011

OS JOVENS: REPRESENTAM DE FATO UMA ESPERANÇA?

Nota do blog: Segue abaixo o capítulo (Os jovens: representam de fato uma esperança?) do livro Cruzando o limiar da Esperança. Trata-se de uma longa entrevista que o jornalista Vittorio Messori realizou com o Papa João Paulo II. Foi publicado com título original Crossing the Threshold Hope. No trecho do livro abaixo João Paulo II reafirma: "Vocês são a esperança da Igreja e do mundo. Vocês são minha esperança." Os grifos em negrito abaixo são nossos.


OS JOVENS:
REPRESENTAM DE FATO UMA ESPERANÇA?

PERGUNTA de Vittorio Messiori:
Quanto aos jovens: são privilegiados pela atenção afetuosa do Santo Padre, que com freqüência reitera que a Igreja olha para eles com esperança especial para o relançamento da evangelização.
Santidade, tal esperança é realmente fundamental? Ou, lamentavelmente, não estaremos mais uma vez diante da sempre renovada ilusão, por parte de nós adultos, de que a nova geração vai ser melhor do que a nossa e todas aquelas que a precederam?



RESPOSTA de João Paulo II:

Aqui você descortina um campo enorme para análise e para meditação.

Os jovens de hoje como são, o que buscam? Poder-se-ia dizer que são como os de sempre. Há algo no ser humano que naõ padece mutações, como lembrou o Concílio na Gaudium et spes (no. 10). Precisamente na juventude, talvez mais do que em outra faixas etárias, isto encontra confirmação. Isso, no entanto, naõ quer dizer que os jovens de hoje não sejam também diferentes daqueles que os precederam. No passado, as jovens gerações se formaram nas dolorosas experiências da guerra, dos campos de concentração, do perigo constante. Essas experiências liberavam também, nos jovens – e acho em toda parte do mundo, apesar de ter em mente a juventude polonesa - , os traços de um grande heroísmo.

É só lembrar o levante de Varsóvia em 1944: o ímpeto desesperado dos meus coetâneos, que não se pouparam. Jogaram sua vida jovem no ardor da fogueira. Eles queriam demonstrar que estavam amadurecendo no confronto com a grande e difícil herança que receberam. Também eu pertenço àquela geração, e penso que o heroísmo dos meus companheiros ajudou-me a definir minha própria vocação. Padre Konstanty Michalski, um dos grandes professores da Universidade Jaguelônica de Cracóvia, sobrevivente do campo de concentração de Sachsenhausen, escreveu um livro: Entre heroísmo e bestialidade. Este título reproduz bem o clima da época.o próprio Michalski, a respeito de Frei Alberto Chmielowki, lembra a frase evangélica segundo a qual “é preciso dar a vida” (Jo 15,13). Exatamente naquele período de terrível desprezo pelo homem, quando o preço da vida humana foi aviltado como talvez jamais acontecera antes, precisamente naquele momento a vida de cada indivíduo tornou-se valiosa, adquirindo o valor de um dom gratuito.

Neste sentido, os jovens de hoje certamente crescem em um contexto diferente: não carregam dentro de si as experiências da Segunda Guerra Mundial. Além disso, muitos dentre eles não conheceram – ou não lembram - as lutas contra o sistema comunista, contra o Estado totalitário. Vivem num clima de liberdade, conquistada para eles por outros, e cederam sobremaneira à civilização do consumo. São estes os parâmetros, obviamente apenas percebidos, da situação atual.

Apesar disso, é difícil dizer que a juventude rejeite os valores tradicionais, que abandone a Igreja. As experiências dos educadores e dos pastores confirmam, hoje não menos do que ontem, o idealismo característico desta idade, mesmo quando atualmente isso é expresso, talvez, sobretudo em forma de crítica, ao passo que no passado se traduzia mais simplesmente no compromisso. Em geral, pode-se afirmar que as novas gerações agora crescem prevalentemente num clima da nova era positivista, ao passo que, por exemplo, na Polônia, quando eu era garoto, dominavam tradições românticas. Os jovens com os quais entrei em contato logo após a minha ordenação sacerdotal cresceram precisamente nesse clima. Na Igreja e no Evangelho enxergavam um ponto de referência onde concentrar o esforço interior para formar a própria vida de uma maneira que tivesse sentido. Lembro ainda os colóquios com aqueles jovens, que exprimiam precisamente desse modo sua relação com a fé.

A experiência principal daquele período, quando a minha ação pastoral se concentrava antes de mais nada em torno deles, foi a descoberta da importância essencial da juventude. O que é juventude? Não é apenas um período da vida que corresponde a uma determinada faixa etária, mas é, no conjunto, um tempo concedido pela Providência a cada ser humano,sendo-lhe conferido como tarefaNesse período ele procura, como o jovem do Evangelho, a resposta às suas interrogações fundamentais; não somente o sentido da vida , mas também um projeto concreto para começar a construir sua vida. é exatamente esta característica mais essencial da juventude. Todo educador, a começar pelos pais, assim como todo pastor, precisa conhecer bem essa característica e deve saber identificá-la em cada rapaz ou moça. Digo mais, deve amar aquilo que é essencial para a juventude.

Se em cada período de sua vida o ser humano deseja afirmar-se, encontrar o amor, na juventude o deseja de uma forma ainda mais intensa. O desejo de afirmação, em todo caso, não deve ser entendido como uma legitimação de tudo, sem exceções. Os jovens de modo algum querem isso: estão dispostos inclusive a serem repreendidos, exigindo que se diga a eles sim ou não. Eles precisam de guias, e os querem disponíveis. Se procuram pessoas abalizadas, fazem-no porque as percebem ricas do calor humano e capazes de caminharem junto com eles pelos caminho que escolherem seguir.

Fica claro, portanto, que o problema essencial da juventude é profundamente pessoal. A juventude é precisamente o período da personalização da vida humana. É também o período da comunhãoOs jovens, tanto os rapazes como também as moças, sabem da obrigação de viver para os outros, sabem que sua vida tem sentido na medida em que se torna um dom gratuito para o próximo. Aí tem origem todas as vocações: tanto as sacerdotais ou religiosas como também as vocações ao matrimônio e à família. Também a chamada para o matrimônio é uma vocação, um dom de Deus. Nunca mais vou me esquecer de um rapaz, estudante do politécnico de Cracóvia, do qual todos sabiam que aspirava com decisão à santidade. Ele tinha este programa de vida. ele sabia ter sido “criado para os grandes ideais”, como se expressou certa vez São Estanislau Kostka. E, ao mesmo tempo, naõ tinha dúvida alguma de que sua vocação não era nem o sacerdócio nem a vida religiosa. Sabia que devia ser um leigo. O que mais o apaixonava era o trabalho profissional, bem com os estudos de engenharia. Procurava uma companheira para a vida, e a procurava de joelhos, na oração. Jamais poderei esquecer o colóquio em que, depois de um dia especial de retiro, me disse: “Penso que exatamente essa moça vai ser minha esposa, e é Deus quem vai dá-la para mim.” Como se não seguisse apenas a voz de seus desejos, mas antes de tudo a voz do próprio Deus. sabia que d’Ele vem todo o bem, e fez uma boa escolha. Estou falando de Jerzy Ciesielsky, desaparecido em um trágico acidente no Sudão, para onde foi enviado para ensinar na Universidade, e cujo processo de beatificação já foi iniciado.
Esta vocação para o amor é obviamente o elemento de contato mais estreito com os jovens. Como sacerdote me conscientizei disso bem cedo. Sentia como que um impulso interior nessa direção. É preciso preparar os jovens para o matrimônio, é preciso ensinar-lhes o amor. O amor não é uma coisa que se aprende, e todavia não há uma coisa tão necessária a ser aprendida! Quando jovem sacerdotal aprendi a amar o amor humano. Este é um dos temas fundamentais em que concentrei meu sacerdócio, o meu ministério da pregação, no confessionário, bem como por meio da palavra  escrita. Quando se ama o amor humano, nasce também a vivia necessidade de empenhar todas as forças a favor do “belo amor”.

Na verdade o amor é lindo. Os jovens, afinal, buscam sempre a beleza do amor, desejando que seu amor seja lindo. Se cedem às fraquezas, seguindo modelo de comportamento que bem poderiam ser classificados como um “escândalo do mundo contemporâneo” (e são modelos lamentavelmente muito difundidos), no fundo do coração desejam um amor lindo e puro. Isso vale tanto para os rapazes como também para as moças. Sabem, afinal, que ninguém pode conceder-lhes um amor assim, a não ser Deus. E, portanto, estão dispostos a seguir a Cristo, sem olhar para os sacrifícios que isso pode implicar.

Durante os anos em que eu mesmo era um jovem sacerdote e pastor, me fiz esta imagem dos jovens e da juventude, que me acompanhou ao longo de todos os anos sucessivos. Imagem que possibilita também encontrar-me com os rapazes em qualquer lugar aonde for. Qualquer vigário de Roma que a visita à paróquia deve encerrar-se com o encontro do Bispo de Roma com os jovens. E não somente em Roma, mas também em toda parte aonde o Papa vai, procura os jovens e em toda parte é procurado pelos jovens. Aliás, na verdade não é ele a ser procurado. Quem é procurado é o Cristo, o qual sabe ó que há em cada homem”(Jo,2,25), de modo especial no homem jovem, e sabe dar as verdadeiras respostas ás suas perguntas! E mesmo quando são respostas exigentes, os jovens de modo algum as evitam; antes, dir-se-ia que esperam por elas.

Desse modo se explica também a gênese do Dia Mundial da Juventude. A primeira vez, por ocasião do Ano Jubilar da Redenção e depois pelo Ano Internacional da Juventude, promovido pelo Organização das Nações Unidas (1985), os jovens foram convidados a Roma. E esse foi o começo. Ninguém inventou os Dias Mundiais da Juventude. Foram os próprios jovens que os criaram. Aqueles Dias, aqueles Encontros, desde então se tornaram uma necessidade dos jovens em todos os lugares do mundo. no mais das vezes foram uma grande surpresa para os pastores, e até mesmo para os Bispos. Pois superaram tudo aquilo que eles mesmo esperavam.

Tais Jornadas mundiais se tornaram um grande e fascinante testemunho que os jovens dão a si mesmos, se tornaram um meio poderoso de evangelização. Com efeito, nos jovens há um imenso potencial de bem e de possibilidades criativas. Ao encontrá-los, em qualquer lugar do mundo, espero antes de tudo por aquilo que eles querem me dizer a respeito de si próprios, de sua sociedade, de sua Igreja. E sempre procuro concientizá-los a respeito: “De modo algum é mais importante aquilo que vou dizer-lhes: importante é o que vocês me dirão. Talvez não possam dizer isso com as palavras, mas conseguem dizê-lo com a sua presença, com o seu canto, quem sabe também através de sua dança, por meio de suas apresentações, enfim, com seu entusiasmo.”

Nós precisamos do entusiasmo dos jovens. Temos necessidade da alegria de viver que os jovens têm. Nela se reflete algo da alegria originária que Deus teve ao criar o ser humano. Precisamente essa felicidade os jovens experimentam em si próprios. É a mesma em todo lugar, embora seja sempre nova, original. Os jovens sabem exprimi-la à sua maneira.

Não é verdade que é o Papa a conduzir os jovens de um canto para outro do globo terrestre. São eles que o conduzem. E mesmo que seus anos aumentem, eles exortam-no a ser jovem, não lhe permitindo esquecer sua esperança, sua descoberta da juventude e da grande importância que ela tem para a vida de cada ser humano. Acredito que isso explique muitas coisas.

No dia da inauguração do Pontificado, em 22 de outubro de 1978, após o encerramento da liturgia, eu disse aos jovens na Praça de São Pedro: “Vocês são a esperança da Igreja e do mundo. Vocês são a minha esperança.” Aquelas palavras são lembradas constantemente.

Os jovens e a Igreja. Resumindo, desejo destacar que os jovens buscam a Deus, buscam o sentido da vida, buscam respostas definitivas: “O que farei para alcançar a vida eterna?”(Lc 10,25), nesta procura não podem deixar de encontrar a Igreja. E também a Igreja não pode deixar de encontrar os jovens. É necessário apenas que a Igreja tenha uma profunda compreensão daquilo que é a juventude, da importância que reveste para cada ser humano. É preciso também que os jovens conheçam a Igreja, que nela enxerguem a Cristo, o qual caminha ao longo dos séculos com cada geração, com cada ser humano. Caminha com cada um como um amigo. Importante na vida de um jovem é o dia em que ele estiver convencido de que este é o único Amigo a não desiludir, com quem pode sempre contar.

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Capítulo do livro entrevista de Viottorio Messiori com o Papa João Paulo II: Cruzando o Limiar da Esperança, editora Francisco Alves, 1994. P. 121-127.


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