terça-feira, 25 de outubro de 2011

Por que te amo, oh, Maria!

Santa Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face


Data: Maio de 1897.
Composta para: ela mesma. Irmã Maria do Sagrado Coração insinuara-lhe o pedido.
Música: La plainte du mousse.
Criação literária: No Processo Apostólico, Irmã Genoveva testemunhou que, já bem doente, Teresinha lhe dissera: “Ainda tenho que fazer uma coisa antes de morrer. (...) Sempre desejei exprimir num cântico em honra da Santíssima Virgem tudo o que penso a seu respeito”. Também Irmã Maria do Sagrado Coração, em suas notas íntimas, refere um detalhe significativo para a gênese deste poema. Conversando com Teresinha durante os últimos meses de sua vida, a santa lhe afirmara que quando pedia uma graça por intermédio de algum santo, precisava sempre esperar um pouco, mas que quando se dirigia à Virgem Maria, o socorro era imediato. Diante disso, Irmã Maria do Sagrado Coração lhe pediu que compusesse alguns versos que retratassem seus pensamentos sobre Nossa Senhora. E assim, por volta de maio de 1897, numa confluência de desejo e circunstância, Teresinha, ante o impulso dado por sua irmã mais velha, dedica-se á composição durante todo aquele mês de Maria.
Ainda seguindo as mesmas anotações de Irmã Maria do Sagrado Coração, a santa, ao entregar-lhe "Por que te amo, oh, Maria", dizia: “Meu pequeno cântico exprime tudo o que penso e o que pregaria sobre a Santíssima Virgem, se fosse sacerdote”. É a própria Teresinha, então, que declara ter posto em versos seus pensamentos, sua concepção sobre a vida de Maria. Como revelará mais tarde à Madre Inês – e a santa deixa assim, sem o saber, a correta chave de leitura –, ela se sente atraída pela verdade da vida de Nossa Senhora e não pela retórica com que se costuma revestir sua existência: “Não seria necessário dizer coisas inverossímeis, ou que não se sabem (...). Para que um sermão sobre Maria me agrade e me faça bem, preciso que veja sua vida real, não uma vida suposta; e estou certa de que sua vida real devia ser muito simples. Mostram a Santíssima Virgem inabordável, quando deviam mostrá-la imitável, fazer sobressair suas virtudes, dizer que ela vivia de fé como nós”.
Teresinha reconhece a grandeza de Maria (estrofe 1, 3), mas sabe também que ela é “mais Mãe que Rainha”. E o que cabe às mães? Partilhar a vida dos filhos, viver antecipadamente as situações que eles terão que viver, para educá-los, para dar-lhes o exemplo de como agir. É com esta convicção que a santa vai ao evangelho para ver, escutar e meditar as palavras e os gestos de sua Mãe, ou como muito bem já parafrasearam At 1, 1, ela vai perscrutar, para depois narrar em seu poema, o que Maria “fez e ensinou”.
As estrofes se seguem pintando Maria como uma de nós, como alguém que pratica “humildes virtudes” (estrofe 6, 4), que caminha pela “via comum” (estrofe 17, 7), que não tem privilégios e se mistura à ordinariedade da vida (estrofe 11, 1-4). Ela é pequena criatura agraciada por Deus (estrofe 3 a 5), é  a adoradora dos mistérios que se cumprem através de sua pessoa (estrofe 7, 10), é aquela que envolve no silêncio sua existência (estofe 8; estrofe 11, 5-8), que vive a esperança (estrofe 8, 8; estrofe 17 a 18)...
Contudo, em virtude da experiência pela qual passa, Teresinha enaltece de modo especial o mistério pascal de Maria. Como para todos aqueles que se põe no seguimento de Cristo, a Mãe do Senhor também conheceu o sofrimento e a dor (estrofe 2, 2) que conduzem à beatitude eterna, e aquele “para entrares em tua sublime glória, foi preciso, Senhor, que tu sofresses”, que escrevera em outra poesia (O Cântico de Irmã Maria da Trindade e da Santa Face, estrofe 3), é plenamente válido para Maria.
Nossa Senhora, como dão a sentir as estrofes de “Por que te amo, oh, Maria”, sofreu sempre em conformidade aos desígnios divinos, muitas vezes sem os compreender, mas impelida pela obediência da fé. Sofreu nas circunstâncias da anunciação (estrofe 8), no nascimento de Jesus (estrofe 9); diante da profecia de Simeão (estrofe 11), na fuga para o Egito (estrofe 12)... Sofreu ainda na perda de Jesus no Templo, mistério que para Teresinha reveste-se de cores muito específicas.
Para cantar esta passagem, a santa se estende por quatro estrofes (estrofe 13, 5 a estrofe 16), nas quais a emotividade que perpassa todo o poema assume acentos ainda mais fortes. Aí, ela encontra alento e, principalmente, a resposta para a provação da fé que vive e o exemplo a seguir. Maria, envolta em “amarga tristeza” (estrofe 13, 5), sentindo como que um exílio rigoroso (estrofe 13, 8), resigna-se a esta permissão divina. E, então, a santa, referindo-se a Jesus, dirá que ele “pode bem se esconder; consinto em esperar até o dia sem ocaso em que minha fé se extinguirá” (estrofe 16, 7-8).
O auge do sofrimento de Maria, isto é, o seu estar de pé junto à Cruz, é visto por Teresinha pelo prisma da suprema caridade. Jesus pede aos seus discípulos que se amem uns aos outros como ele os amou, e Maria nos ama “como Jesus nos ama” (estrofe 22, 1). Ela dá sua vida por amor a nós, consentindo em se afastar de seu Filho, seu tudo e a razão de seu ser, para permanecer na terra e ser amparo aos homens (estrofe 22, 4). É pela humanidade que ela, à semelhança de seu Filho, doa tudo e a si mesma (estrofe 22, 3), dá todo o sangue de seu coração (estrofe 23, 8). Um gesto como este, mostra, enfim, como Maria sabe “sofrer amando” (Estrofe 16, 4), pois a “imensa ternura” (estrofe 22, 5) de seu coração é o reflexo do Amor redentor de Jesus, que a faz “refúgio dos pecadores” (estrofe 22, 7). E, com esta atitude de acolhimento dos sentimentos do Salvador em si, ela dá ainda a máxima prova de amor a Deus. Enfim, vive a plenitude da lei: amor a Deus e amor ao próximo. No fundo, estas estrofes 22 e 23 são o eco poético do discurso sobre a caridade, redigido por esta mesma época no Manuscrito C. Composto com belas imagens (estrofe 10, 4; estrofe 16, 4; estrofe 22, 3) o poema se encerra com uma lógica encantadora. Maria viveu e sofreu como nós para nos ensinar a viver e a sofrer segundo o evangelho de seu Filho. Teresinha viveu e sofreu tendo Maria diante dos olhos, seguindo-lhe o exemplo. Maria é verdadeira Mãe, e Teresinha é verdadeira filha. Se, da maternidade e filiação, se costuma dizer “carne de minha carne, osso de meus ossos e sangue de meu sangue”, de Maria e Teresinha pode-se afirmar “alma de minha alma e espírito de meu espírito”.

Por que te amo, oh, Maria!

1. Oh! Quisera cantar, Maria, por que te amo,
Por que teu nome tão doce me faz estremecer o coração
E por que o pensamento de tua suprema grandeza
Não consegue inspirar à minha alma nenhum temor.
Se te contemplasse em tua sublime glória,
Ultrapassando o esplendor de todos os Bem-aventurados,
Não poderia acreditar que sou tua filha...
Diante de ti, oh, Maria, meus olhos, eu os abaixaria!

2. Para que um filho possa amar sua mãe, é preciso
Que ela chore com ele, partilhe suas dores...
Oh, Mãe querida! Nesta terra estrangeira,
Para atrair-me a ti, como chorastes!
Meditando tua vida no santo evangelho,
Ouso te olhar e aproximar-me de ti.
Acreditar que sou tua filha não é difícil,
Pois te vejo mortal e sofrendo como eu...

3. Quando um Anjo do Céu te ofereceu para seres a Mãe
Do Deus que deve reinar por toda eternidade,
Vejo-te preferir, oh, Maria – Que mistério! –
O inefável tesouro da virgindade.
Compreendo que tua alma, oh, Virgem Imaculada,
Seja mais cara ao Senhor que a divina morada;
Compreendo que tua alma, Humilde e Manso Vale,
Possa conter Jesus, o Oceano de Amor!...

4. Oh! Eu te amo, Maria, proclamando-te a serva
Do Deus que deslumbras com tua humildade.
Esta virtude escondida te faz poderosa,
Atrai ao teu coração a Santíssima Trindade.
Então, ao cobrir-te com sua sombra o Espírito de Amor,
O Filho igual ao Pai em ti se encarnou...
Será bem grande o número de seus irmãos pecadores,
Pois, Jesus há de se chamar o teu primogênito.

5. Oh, Mãe amada! Apesar de minha pequenez,
Como tu, em mim possuo o Todo-poderoso.
Mas, não tremo ao ver minha fraqueza:
O tesouro da mãe pertence à filha;
E sou tua filha, oh, Mãe querida.
Tuas virtudes, teu amor, não são eles meus?
Então, quando em meu coração desce a branca Hóstia,
Jesus, teu manso Cordeiro, julga repousar em ti!...

6. Tu me deixas perceber que não é impossível
Caminhar sobre teus passos, oh, Rainha dos eleitos.
O estreito caminho do Céu, tu o tornastes visível
Praticando sempre as virtudes mais humildes.
Ao teu lado, Maria, gosto de permanecer pequena;
Das grandezas desse mundo, vejo a vaidade...
Na casa de Santa Isabel que recebe tua visita,
Aprendo a praticar a ardente caridade.

7. Aí, escuto admirada, doce Rainha dos Anjos,
O sagrado cântico que brota do teu coração.
Tu me ensinas a cantar os louvores divinos
E a me glorificar em Jesus, meu Salvador.
Tuas palavras de amor são místicas rosas
Que devem perfumar os séculos futuros.
Em ti, o Todo-poderoso faz grandes coisas;
Quero meditá-las para o bendizer.

8. Quando o bom São José ignorava o milagre
Que, em tua humildade, querias esconder,
Tu o deixaste chorar junto ao Tabernáculo
Que escondia a divina beleza do Salvador!
Oh! Como amo, Maria, teu eloqüente silêncio!
Para mim, é um doce e melódico concerto
Que me fala da grandeza e da onipotência
De uma alma que só espera auxílios dos Céus...

9. Mais tarde, em Belém, oh, José e Maria,
Vejo-vos rejeitados por todas as pessoas...
Ninguém quer receber em sua hospedaria
Uns pobres estrangeiros... O lugar é para os grandiosos...
O lugar é para os grandiosos, e é num estábulo
Que a Rainha dos Céus deve dar à luz um Deus!
Oh, Mãe querida! Como me pareces amável!
Como te acho grande num lugar tão pobre!

10. Quando vejo o Eterno envolto em paninhos,
Quando do Verbo divino escuto o débil vagido,
Oh, Mãe querida! Não invejo mais os Anjos,
Pois o Senhor poderoso é meu Irmão querido!
Como te amo, Maria, tu que em nossa terra
Fizeste desabrochar esta flor divina!
Como te amo, escutando os pastores e os magos
E tudo guardando em teu coração, com cuidado!

11. Amo-te em meio às outras mulheres
Que para o templo santo se dirigem.
Amo-te apresentando o Senhor de nossas almas
Ao ditoso Ancião que o aperta em seus braços.
Primeiro, sorrindo, escuto seu cântico,
Mas, logo, seu tom me faz lágrimas verter.
Lançando ao futuro um profético olhar,
Simeão te apresenta uma espada de dor.

12. Oh, Rainha dos Mártires! Até o findar de tua vida
Esta espada de dor transpassará teu coração.
Já tens que deixar o Sol de tua pátria
Para evitares, de um rei, o furor invejoso.
Jesus dorme em paz sob as dobras do teu véu,
José vem te pedir para depressa partir,
E a tua obediência logo se revela:
Partes sem nenhuma demora, sem nada pensar...

13. Na terra do Egito, me parece, oh, Maria,
Que, na pobreza, teu coração continua feliz.
Pois, não é Jesus a mais bela Pátria?
Que te imposta o exílio? Possuis os Céus!
Mas, em Jerusalém, uma amarga tristeza,
Tão vasta como o oceano, vem inundar teu coração:
Jesus, durante três dias, se esconde aos teus carinhos.
É, então, o exílio em todo o seu rigor!...

14. Enfim, o encontras e a alegria te invade.
Dizes ao belo Infante que encanta os Doutores:
“Oh, meu Filho! Por que agiste assim?
Teu pai e eu te procurávamos chorando.”
E o Menino Deus respondeu – Oh! Que profundo mistério! –
À Mãe querida que lhe estende seus braços:
“Por que me procuráveis? Às coisas de meu Pai
É preciso que me dedique. Vós não o sabíeis?”

15. O evangelho me ensina que, crescendo em sabedoria
A José e Maria, Jesus era submisso.
E meu coração revela com que ternura
Ele sempre obedecia a seus queridos pais.
Agora, compreendo o mistério do templo,
As palavras veladas do meu amável Rei...
Teu doce Filho, Mãe, quer que sejas o exemplo
Da alma que o busca na noite da fé!

16. Já que o Rei dos Céus quis que sua Mãe
Mergulhasse na noite, na agonia do coração,
Maria, então, é um bem sofrer sobre a terra?
Sim, sofrer amando é a mais pura felicidade!
Tudo o que ele meu deu, Jesus pode retomá-lo.
Diz para ele não se incomodar comigo.
Pode bem se esconder; consinto em esperar
Até o dia sem ocaso em que minha fé se extinguirá.

17. Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça,
Viveste muito pobremente, nada mais querendo.
Nem arroubos, nem milagres, nem êxtases
Embelezam tua vida, oh, Rainha dos eleitos!
É bem grande sobre a terra o número dos pequeninos.
Para ti, eles podem, sem tremer, erguer os olhos.
É pela via comum, incomparável Mãe,
Que te apraz caminhar para os guiar aos Céus.

18. Esperando o Céu, oh, Mãe querida,
Contigo quero viver, te seguir a cada dia.
Mãe, ao te contemplar, mergulho extasiada,
Descobrindo em teu coração os abismos do amor.
Teu materno olhar afasta todos os meus medos;
Ele me ensina a chorar, me ensina a gozar.
Ao invés de desprezar as puras e santas alegrias,
Queres partilhá-las, te dignas a abençoá-las.

19. Vendo a aflição dos esposos de Caná,
Que não a podem esconder, pois lhes falta o vinho,
Ao Salvador o dizes, em tua solicitude,
Esperando o socorro do seu divino poder.
De início, Jesus parece recusar teu pedido:
“Que imposta, Mulher, a vós e a mim?” – respondeu.
Mas, no fundo do seu coração, chama-te Mãe,
E seu primeiro milagre, ele o fez por ti...

20. Um dia em que os pecadores escutavam a doutrina
Daquele que no Céu os queria receber,
Te encontro em meio a eles, Maria, sobre a colina.
Alguém diz a Jesus que o querias ver.
Então, teu divino Filho, diante da multidão inteira,
Mostra a imensidão do seu amor por nós.
Diz: “Quem é meu irmão, minha irmã e minha Mãe,
Senão aquele que faz a minha vontade?”

21. Oh, Virgem Imaculada! A mais terna das mães!
Escutando Jesus, tu não ficas triste,
Mas te alegras porque ele nos faz compreender
Que nossa alma se torna sua família na terra.
Sim, tu te alegras por ele nos dar sua vida,
Os tesouros infinitos de sua divindade!
Como não te amar, oh, Mãe querida,
Vendo tanto amor e tanta humildade?

22. Tu nos amas, Maria, como Jesus nos ama
E consentes, por nós, em te afastares dele.
Amar é tudo doar e doar a si mesmo.
Quiseste prová-lo permanecendo nosso apoio.
O Salvador, conhecendo tua imensa ternura,
Conhecia os segredos do teu coração materno.
Refúgio dos pecadores, é a ti que ele nos deixa
Quando abandona a Cruz para nos esperar no Céu.

23. Maria, tu me apareces no alto do Calvário
De pé junto da Cruz, como um sacerdote no altar
Oferecendo, para apaziguar a Justiça do Pai,
Teu amado Jesus, o doce Emanuel...
Disse o profeta, oh, Mãe desolada:
“Não há dor igual à tua dor!”
Oh, Rainha dos Mártires! Ficando no exílio,
Tu nos dás todo o sangue do teu coração!

24. A casa de São João se torna teu único abrigo;
Os filhos de Zebedeu devem ficar no lugar de Jesus...
É o último detalhe que o evangelho nos dá;
Da Rainha do Céu não fala mais.
Mas, seu profundo silêncio, oh, Mãe querida,
Não revela que o Verbo eterno
Quer ele mesmo cantar os segredos de tua vida
Para encantar os teus filhos, todos os eleitos do Céu?

25. Em breve, ouvirei esta doce harmonia...
Em breve, no belo Céu, hei de te ver...
Tu que vieste me sorrir na manhã de minha vida,
Vem sorrir-me de novo... Mãe... Eis que o dia já declina!...
Já não temo o esplendor de tua sublime glória.
Contigo sofri e quero, agora,
Cantar no teu regaço, Maria, por que te amo
E repetir para sempre que sou tua filha!...
A Teresinha...


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Fonte: Obras Completas, escritos e últimos colóquios de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face. São Paulo: Editora Paulus, 2002.



Inspirada nesta composição de Santa Teresinha,
temos a música “Por que te amo, oh, Maria” da Irmã Kelly Patrícia.
Para ouvir e/ou fazer o download basta clicar aqui!



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